Título do livro: Cutucando o cu do cânone: insubmissões teóricas e desobediências epistêmicas.
Áreas de concentração: Estudos da linguagem. Estudos literários. Estudos discursivos. História. Ciências Sociais.
Contextualização da proposta
O corpo é uma invenção teórica recente (COURTINE, 2013). A sua emergência, no século XX, como objeto de discurso no campo das ciências humanas, pode ser dada como incontestável. Nas lutas políticas dos chamados novos movimentos sociais, no cerne do descentramento que configuram na forma como eram conceituados sujeito e identidade no pensamento moderno (HALL, 2006), o corpo está em destaque. E mais, se poderia afirmar que ele está em plena luz. Há uma virada somática em curso e que impõe as suas próprias máquinas de ver, dizer, ouvir, arquivar, gerir e narrativizar a memória do corpo no social. Contudo, seria ingênuo pensar que, no calor do acontecimento da discursividade do corpo na história, a sua materialidade significante esteja esgotada ou, ainda pior, que ela seja “de todo” bem recebida, abrigada e co-memorada. Há algo do corpo que a luz não ilumina, mas que ela própria sustenta como condição do modo específico de fazer ver o corpo que ela institui.
O simbólico, recorrendo aos seus dispositivos gestores da memória social, teima em manter visíveis os limites entre o legível do corpo e os seus mais diversos espectros, recitando contra estes as suas já de há muito saturadas, mas eficazes, fixões (BUTLER, 2019). Entretanto, essa dialética legível/ilegível é histórica, sendo assim sempre (re)configurável, a depender da região de coisas-a-saber (PÊCHEUX, 2015) que se tenha em conta. Isso significa dizer que nem o simbólico é uma lei perpétua, nem a (in)inteligibilidade (BUTLER, 2019) que ela sustenta é abstrata e eterna.
Se há, assim, uma textualidade do corpo como arquivo do humano (PRECIADO, 2017), é porque também há impossíveis historicamente determinados, cujos limites são perpetuamente reordenáveis, servindo-lhe de fronteira e suporte. Sob outros sentidos, todo discurso – e não seria distinto com os discursos que fazem corpo – cria um laço em torno de um impossível, isto é, de um mal-estar (LACAN, 1992).
Arquivar, assim, os buracos da história e os silêncios da representação nos coloca diante da dimensão performativa e política do arquivo e do bioarquivo, como menciona Sam Bourcier (2021). Aí está uma forma de tirar proveito da desestabilização do regime de verdade tradicionalmente reivindicado pelos historiadores e da derrocada de sua pretensão de aprisionamento disciplinar do arquivo, reservando-o à escrita do passado. De nossa perspectiva, além disso, essa prática político-performativa de intervenção no arquivo tem como fatos que: a) todo (bio)arquivo se produz como um recorte na memória social, materializando, dessa maneira, um gesto de silenciamento; b) “[…] a parte voltada ao silêncio é, sempre, em qualquer conjuntura histórico-social, mais importante do que o que se diz” (ORLANDI, 2017, p. 10) e c) o silenciado de uma dada formação discursiva, numa dada conjuntura, não é nunca completamente apagado do campo social, pois os vestígios do in-significado são suscetíveis de basear uma geografia, uma sociologia e uma história dos silêncios.
É aí que a instalação de uma escuta do corpo, como a ora proposta, nos convoca ao jogo e à inversão de prioridade em relação ao que dele se destaca na economia fálica da memória de arquivo (ORLANDI, 2006) em nossa sociedade, a saber: o cu como horizonte futuro do corpo, um de seus pontos de real, a parte que cabe ao equívoco dos bioarquivos dominantes. Um futuro que tensiona o presente e que com ele coexiste, dissolvendo toda ontologia e temporalidade dérmicas no tecido da contradição. Estamos falando e tomando partido do acontecimento teórico-político do cu como lugar de reivindicação do nonsense do corpo, o que extrapola o campo da injúria e do insulto, convertendo-o num objeto paradoxal, isto é, simultaneamente idêntico e antagônico a si mesmo (PÊCHEUX, 2011). Trata-se, aqui, de um gesto de leitura na discursividade do corpo que conjuga as políticas do arquivo vivo (BOURCIER, 2021) com aquilo que se configura como o espaço ético das políticas anais (SÁEZ; CARRASCOSA, 2016).
Há, então, uma rearticulação interveniente na lógica da sublimação que convém assinalar. Se o falo alude ao órgão sexual que está no centro da triangulação edipiana (HOCQUENGHEM, 2020), sendo o Um configurador da falta, o significante despótico, propomos, como contra-leitura, “[…] o cu como significante munificente, isto é, como significante largo, do excesso, sobejo, exagerado, descontrolado e redundante” (MELO, 2021, no prelo). É assim que, se o falo, quando lhe convém, pode se passar pelo pênis, também poderá o cu superpor-se ao ânus, quando lhe convenha, sem que se confundam. O cu é, portanto, sinédoque dos restos dos bioarquivos dominantes em sua relação com a memória social (MELO, 2021). Ele é tomado, no viés ora discutido, como um espaço alternativo de reunião, de investimentos e de expectativas fantasmáticas das fronteiras abjetas do corpo na história. É, então, um significante performativo-político (BUTLER, 2019) para dizer, ouvir, articular, pautar e reinventar o não-vivível, o inenarrável, o inimaginável, o inaudível e o traumático dos bioarquivos dominantes. Lugar de imediato retorno do ainda-não-assimilável sobre a eficácia do sempre-ainda das cadeias excludentes (MELO, 2021).
Partindo do pressuposto de que o cânone (literário) é um bioarquivo hegemônico da imaginação e de que a ele resulta indiferente o alarido das corporalidades dissidentes, a essas resta, como espaço de subjetivação, o in-significado do corpo canonizado: o cu. Uma vez que não podem se subjetivar no centro, ou seja, naquela literatura que se impõe como “o” memorável, o que sobra são as margens, as fronteiras, os subterrâneos, isto é, a poeira dos arquivos instituídos. Isso equivale a habitar as pregas do cu operando por meio de verdadeiras fissuras anais que incomodam e são, por vezes, combatidas visando ao seu extermínio (MONTEIRO, 2021). Vale ratificar que não concebemos a existência nas fronteiras como um lócus de inércia, mas sim de potência (KILOMBA, 2019), pois habitar as margens do centro e do biopoder pelo cu é uma maneira de agenciar-se e fazer frente ao cistema que visa a tolher as corporalidades e suas existências subterrâneas.
Esse corpo tem, na instituição literária, uma superfície fértil de (re)produção. É que o cistema literário (AFONSO-ROCHA, 2021) intensifica e retroalimenta a produção de uma massa corpórea supostamente universal e amorfa. A superfície corporal assumida pelo cistema literário se (re)produz como universal, natural e normal, fazendo dela a radical negação do próprio ao corpo. A partir disso, relegam-se as diferenças a uma zona de inexpressão, o que coopera para a invalidação de suas práticas enunciativas e, consequentemente, para um verdadeiro epistemicídio funcionando como “[…] um dos mecanismos usados para privilegiar projetos imperiais/coloniais/patriarcais de mundo” (GROSFOGUEL, 2016, p. 25). Dissimulam-se, também, as suas próprias condições rituais de enunciação, enquanto recorte de um memorável específico no tecido da memória social. Recitam-se, assim, um corpo e uma identidade particulares, sem dizê-los enquanto tais, sob o verniz imaginário da universalidade. O cu do cânone, então, é o seu Outro inassimilável, lugar de seus esquecimentos, dos rastros da diferença que se tenta apagar.
Por certo, em torno dos fechamentos e cláusulas que se constituem no lugar dos centramentos logofalocêntricos (DERRIDA, 2004), há um temor paranóico instalado: que nunca sejam enrabados por trás. É necessário esquecer o cu para garantir a gramática fálica da autoridade. Contudo, dildos atrevidos sempre assombraram a certeza da impenetrabilidade, lembrança desesperadora de que “quem tem cu, tem desejo”.
Os cânones literários nacionais contribuíram decisivamente para a constituição do conjunto de discursos que projetaram os imaginários da nação na América Latina (SCHMIDT, 2020). O crescente nacionalismo do século XIX, aliado ao liberalismo burguês, à consolidação das elites econômicas e culturais e à estética romântica europeia, inspirou um corpo imaginário e simbólico para a pátria: masculino, sudestino, magro, heterossexual, cisgênero, urbano, economicamente abastado, branco e cristão. A um só tempo, esse corpo que os cânones (inclusive os literários) absorvem, sem dizê-lo, permite considerá-los como um bioarquivo da imaginação (MELO, 2021) instituindo um inimaginável específico como o seu necessário e constitutivo suplemento “exterior”.
É possível conceber o cânone literário, nesse seguimento de ideias, como uma porta de acesso institucional de sujeitos hegemônicos, cujas existências são avalizadas e os discursos tidos como adequados ao terreno do memorável e do imaginável da nação. Não há, assim, espaço real para o Outro, sempre tangenciado pelo jogo especular de dissimulações e efeitos de luz gestados desde e pela instituição literária. A falta de acesso e pertença de corporalidades dissidentes, ou não-hegemônicas, ao fazer/estar na ordem do literário (ou mesmo a circulação prejudicada/limitada) em termos de autoria, representação, crítica e memória, materializa-se como efeito da biopolítica maior (AGAMBEN, 2005), pois historicamente as elites exercem o domínio dos espaços enunciativos legitimados institucionalmente, em detrimento dos grupos subalternizados, além de aquelas limitarem o acesso destes (VAN DIJK, 2015).
Advogamos, portanto, no sentido de um olhar decoloni-anal (MELO, 2021)[1] a respeito do discurso literário, o que envolve estranhar e tensionar as estruturas biopolíticas que o sustentam a fim de construir realidades e imaginações outras, por meio das quais “[…] as muitas identidades marginalizadas podem também, finalmente, reconfigurar a noção de conhecimento: Quem sabe? Quem pode saber? Saber o quê? E o saber de quem?” (KILOMBA, 2019, p. 13). Assim, é a partir de discursos subalternizados, subterrâneos, periféricos, anais, como gestos de resposta, revolta e combate às hegemonias e aos cânones por ela criados e continuamente re-atualizados, que vozes dissidentes podem ser re-significadas e criar suas disrupções, inclusive literárias (MONTEIRO, 2020).
Delimitação da proposta
É nesse sentido que a Editora Devires propõe esta coletânea com o objetivo de reunir textos que, colocando o cu pra jogo, materializem os mais distintos gestos de inscrição e interpretação desde pressupostos teóricos, metodológicos, epistemológicos e gnoseológicos (MUDIMBE, 2019) diversos, desobedientes e dissidentes (MOMBAÇA, 2016); materializem fundamentações, esboços, proposições e formulações de outras abordagens possíveis das produções, das circulações, da crítica e do fazer literários; abordagens que ponham em questão, sob tensionamento e rasura, as máquinas hegemônicas do literário e seus funcionamentos deimopolíticos[2] de legitimação de determinados corpos pela ritualística da autoria, da representação, da crítica e do livro; gestos de estranhamentos, desconstrução e deslocamento do imaginário dominante de literariedade e seus efeitos de literalidade.
Esperamos, também, congregar textos que abordem perspectivas insubmissas e indisciplinadas, colocando, igualmente, em questão os funcionamentos deimopolíticos de deslegitimação (impossibilidade de escuta/fala) e de silenciamento (BAGAGLI, 2014) dos corpos dissidentes. Corpos produzidos, também, pelo cistema literário, como insignificantes, indignos de representação (YORK; OLIVEIRA; BENEVIDES, 2020), significados literariamente como abjetos e, muitas vezes, como inimigos sociais a serem, urgentemente, eliminados (AFONSO-ROCHA, 2021). Serão igualmente bem-vindos trabalhos que tensionem a des-legitimação das produções estéticas desses sujeitos dissidentes, significando-as como não-literárias ou subliterárias.
Buscamos, assim, trabalhos que problematizem, para além do paradigma representacional, os materiais literários (nos mais diferentes suportes materiais, para além da ritualística dominante do livro), desde a perspectiva da significação ou da construção, considerando-se que “[…] a materialidade literária, muito mais do que representar o mundo, participa ativamente de sua construção: os sentidos que temos de realidade são por ela também significados. A literatura performa a realidade, nisso pode participar da sua criação.” (AFONSO-ROCHA, 2021, no prelo). Pensar os materiais literários como possíveis agentes da construção da realidade significa entendê-los não como reflexo da malha sócio-histórica, mas como uma zona em constante disputa que pode participar da produção dessa malha; significa tomá-los como uma arena de luta necessária à produção de um mundo onde caibam muitos outros mundos (KRENAK, 2020). A significação do mundo e suas mais diversas construções são, também no literário, ferozmente disputadas.
Dessa maneira, propomos emblematicamente, como atitude anal-ética, a reinscrição transgressiva ou apropriação transgressora do cu. Esse comparece, assim, como espaço enunciativo, performativo e político de subjetivação de corpos historicamente impossíveis de representação, tensionando, com isso, as políticas hegemônicas de saberes do cânone que hierarquizam, omitem e silenciam as significações literárias dos corpos dissidentes na produção e manutenção de seu bioarquivo. Aceitaremos textos que possam ser lidos, inclusive pelos defensores dos “trabalhos sérios” em literatura, como profanações; estudos que possam ser vistos como heréticos; textos que arregacem o cu do cânone, promovam nele fissuras e mostrem que no cu fizemos morada e que desde o cu (das epistemes, das geopolíticas, dos bioarquivos) contestamos a sacralização do dito literário.
Reuniremos, assim, trabalhos que tratem, partindo das significações e construções literárias, dos impossíveis de representação; que tratem dos corpos excluídos dos espaços enunciativos dominantes da história, da literatura, da política, etc.; que tratem das corporalidades cujas mortes são, histórica e dominantemente, impossíveis de luto e de compaixão, a saber:
- Bichasapatrans.[3]
- Ciganas.
- Defiças.[4]
- Diaspóricas.
- Dissidentes em religiões.
- Gordas.
- Indígenas.
- Intersexos.
- Monstruosas.
- Negras.
- Quilombolas.
- Ribeirinhas e rurais.
- Transvestigêneres.[5]
- Transmasculines.
Normas
Os textos podem ser submetidos em formato Doc ou Docx até o dia 20 de julho de 2021 através do e-mail cutucar.cu.devires@gmail.com com cópia para publicacõoes@editoradevires.com.br.
As submissões devem apresentar uma folha de rosto (anexo separado) com os nomes das autoras e dos autores (tal qual querem ser citades) – e minibiografias constando informações que as autoras e os autores julguem pertinentes (acadêmicas, existenciais, culturais, identificações de gênero, sexo, raça, etnia etc.).
Formatação
- Máximo de duas autoras/autores por trabalho.
- Máximo de dois trabalhos por autoras/autores.
- Máximo de 16 páginas (com certa flexibilidade – sem abuso).
- Times New Roman, 12, espaçamento de 1,5 e texto justificado.
- Sem resumo e palavras-chave.
- Margens de 3 cm.
- Título: negrito, maiúsculo e centralizado no idioma do texto.
- Textos em português ou em espanhol.
- Subtítulo (se houver): primeira letra em maiúscula, negrito, centralizado, em linha abaixo do título.
- Título de Seções (se houver): primeira letra em maiúscula, negrito, centralizado. Espaço de uma linha em branco separando do parágrafo anterior. Sem espaço de linha em branco separando do seu primeiro parágrafo.
- Citação: autor-data (MOMBAÇA, 2016, p. 350). Observar: na primeira vez que citar fora dos parêntesis, constar o nome e sobrenome, exemplo: “Conforme Beatriz Bagagli (2014)…”. Citação longa (+ de 3 linhas) com recuo de 4cm.
- Rodapé: Times New Roman, 10, espaçamento simples.
- Quadro, tabelas e figuras: constar a fonte (uso autorizado), imagens em alta resolução e em preto e branco. Observar as normas do IGBE.
- Referências: ao fim do texto, em ordem alfabética, constando todos os dados de imprenta, cf. norma da ABNT. Não se deve abreviar os nomes, exemplo: YORK, Sara Wagner; OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes; BENEVIDES, Bruna. Manifestações textuais (insubmissas) travesti. Estudos Feministas, v. 28, n. 3, p. 1-12, 2020.
Por considerarmos e nos posicionarmos quanto ao atual tecido geopolítico de colonialidades de saber-poder (e sua inscrição nos corpos) como determinantes na circulação, hierarquização, promoção e silenciamento de saberes, privilegiaremos para a composição da coletânea:
- Textos submetidos por pesquisadoras e pesquisadores cujas produções acadêmico-culturais situam-se nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste do país (com exceção do Distrito Federal). Diretriz aplicável apenas a autoras/autores que residam no Brasil. (Incluir na folha de rosto: região, estado, cidade).
- Textos que exercitem uma política insubmissa e dissidente de citação, de modo a tensionar o imperativo de circulação de saberes oriundo do Norte epistemológico em suas múltiplas contradições: de raça, de gênero, de classe, geopolítica, étnica, de sexo etc. (sulear a bibliografia).
- Textos escritos por autoras/autores que assumam (performem) as identificações sobre as quais o trabalho proposto irá refletir. (Incluir na folha de rosto as respectivas identificações).
Observação: caso se opte, em termos de política de citação, por racializar e/ou generificar as autoras citadas e os autores citados, sugere-se que o critério seja geral e não particularizante de sujeitos dissidentes apenas. Exemplos: “O pensador branco, cis, gay Michel Foucault”/ “A pensadora travesti Amara Moira”/ “Giorgio Agamben, filósofo branco, cisgênero, hétero”.
Alertamos que os trabalhos podem ser escritos em formas outras que não apenas os gêneros tidos como acadêmico-científicos (artigo, ensaios, paper etc.). Podem ser escritos (recomendamos) em primeira pessoa do singular ou plural (em caso de coautoria). Estudos que implodam as estabilidades genéricas tradicionais vigentes na ordem do acadêmico serão bem-vindos. Trabalhos híbridos com traços autobixográficos (PEREIRA, 2020) e/ou literários, vivências, relatos de experiência, autoetnografias, outras experimentações textuais e textos fronteiriços igualmente serão aceitos; em suma, enquadram-se na presente proposta as mais diversas formas de tomada de palavra e de construção de textualidade.
O resultado preliminar dos trabalhos selecionados para compor a coletânea será comunicado através de e-mail específico, contendo o respectivo aceite e/ou pedido de correções até dia 10 de agosto de 2021. Os trabalhos que demandarem algum tipo de correção e/ou ajuste deverão ser entregues pelas/os autoras/es até dia 20 de agosto de 2021. Às autoras e aos autores contempladas/contemplados não recairá quaisquer ônus de custeio da obra, sendo-lhes garantido o direito autoral sobre seus próprios textos.
Comissão avaliadora
As propostas encaminhadas serão avaliadas pelas organizadoras, quais sejam:
Tales Santos Pereira/Tallyz Mann sobre as f(r)icções que tais letras capturam, diz-se dessa corpa somente o que o desconhecimento permite: bicha não-binária, macumbeira e negra. Das e nas letras pesquisa, é toda corpa e território, andarilha das movências que persegue; verso-farrapo nas linhas tortas, voz dia sonante, noite estrelada, madrugada de enigmas na reverberação de paredes ocas e palco assombrado em performances nuas. No (des)encontro de si mesma, vai alinhavando-se com outras corpas e vozes, cenários múltiplos para a investigação de escrituras vitais. E-mail: tspereira@uesc.br.
Nai Monteiro é uma bicha trans não-binária, nordestina, não-branca, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal Rural de Pernambuco (PROGEL/UFRPE) e graduada em Letras-Português Licenciatura pela Universidade Federal de Pernambuco. É membra do Núcleo de Estudos Queer e Decoloniais da UFRPE (NuQueer), do Grupo de Estudos do Texto da UFPE (GESTO) e da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN). Investiga discursos sobre masculinidades dissidentes em aplicativos de relacionamento; Interfaces entre linguagem, gênero, sexualidade e educação; Teoria queer; Linguística textual; Estudos críticos do discurso; Formação de professorxs de português; Ensino de português como língua materna. E-mail: nailsonmo@gmail.com.
Rick Afonso-Rocha é uma bicha, nordestina, branca, contra-CIS-identificada: doutoranda e Mestra em Letras: Linguagens e Representações, pela Universidade Estadual de Santa Cruz (PPGL/UESC). Bacharela em direito (UESC) e advogada (OAB/BA). Bolsista FAPESB. Integrante do grupo de pesquisa O Espaço Biográfico no Horizonte da Literatura Homoerótica (GPBIOH), do Núcleo de Estudos Queer e Decoloniais da UFRPE (NuQueer) e do Grupo de Pesquisa Estudos Literários Contemporâneos: Fontes da Literatura de Jornal da UEFS. Colaboradora do Grupo de Estudos Discursivos em Arte e Design (NEDAD/UFPR), do Grupo de Estudos Discursivos da UESC (GED) e do blog Resista! Observatório de Resistências Plurais. Realiza pesquisa sobre as relações de poder entrecruzadas pelo medo/esperança (deimopolítica), a inimigalização dos sujeitos cis-heterodissidentes, as literaturas bichasapatrans em contextos ditatoriais, efeito-sátira em literaturas sob anonimato e as políticas sexuais e de gênero no cis-hétero-bolsonarismo. E-mail: rarocha@uesc.br.
Iago Moura Melo é uma bicha cis, negra-parda, nordestina, com práticas de pesquisadora e de advogada (OAB/BA). Doutoranda e Mestra em Letras: linguagens e representações, pela Universidade Estadual de Santa Cruz (PPGL/UESC). Bacharela em Direito (UESC). É membra do Grupo de Estudos Discursivos da UESC (Geduesc), do Grupo de Estudos Pecheutianos (GEP) e do Coletivo de Trabalho: discurso e transformação (Contradit). Bolsista Fapesb. Investiga, a partir da perspectiva discursiva-materialista, as formas materiais da reivindicação e do reconhecimento jurídicos de sujeitos LGBT+ perante o Estado, desde a conjunção complexa e sobredeterminada entre raça, sexo, gênero e classe. E-mail: immsantos@uesc.br.
Referências
AFONSO-ROCHA, Rick. O perigo cor-de-rosa: ensaios sobre deimopolítica. Salvador: Devires, 2021. (No prelo).
AGAMBEN, Giorgio. Una biopolítica menor. In: UGARTE PÉREZ, Javier (Org.). La administración de la vida. Estudios biopolíticos. Barcelona: Anthropos, 2005.
BAGAGLI, Beatriz. Cisgeneridade e silêncio. Transfeminismo, 18 de abril de 2014. Disponível em: https://transfeminismo.com/cisgeneridade-e-silencio/. Acesso em: 06 maio 2020.
BOURCIER, Sam. As políticas do arquivo vivo. In: IRINEU, Bruna A.; et. al. Políticas da vida: coproduções de saberes e resistências. Salvador: Devires, 2021.
BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: N-1; Crocodilo, 2019.
COURTINE, Jean-Jacques. Decifrar o corpo: pensar com Foucault. Petrópolis: Vozes, 2013.
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução de Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
GADELHA, Kaciano. DeCUlonização e diásporas trans: uma entrevista com Sanni e Pêdra Costa. Revista Periódicus, v. 1, n. 7, p. 458-471, 2017.
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado. v. 31, n. 1, p. 25-49, 2016.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
HOCQUENGHEM, Guy. O desejo homossexual. Rio de Janeiro: A bolha, 2020.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise, 1969-1970. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
MARROCOS, Yuri; TITARA, Lygia; LIMA, Gesailton; LIMA, Aluisio. Cartografia política do cu: marca registrada de uma analidade decolonial. Encontros Universitários da UFC, v. 4 n. 12, 2019 (Anais do VI Encontro de Cultura Artística).
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MELO, Iago Moura. Acuendações do corpo em Linn da Quebrada. Anais do IV Desfazendo Gênero. Realizado em Recife, 2019. Disponível em: https://www.editorarealize.com.br/index.php/artigo/visualizar/64027. Acesso em: 27 abr. 2021.
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PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 2015.
PEREIRA, Tales/Thallyz Man. Literaturas transviadas & (auto)bixografias (palestra). In: II Colóquio da diversidade sexual e de gênero. Realizado em 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=M1TQXKLlC3w&t=102s. Acesso em: 06 maio. 2021.
PRECIADO, Paul Beatriz. Manifesto contrassexual. São Paulo: N-1, 2017.
SÀEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. Pelo cu: políticas anais. Belo Horizonte: Letramento, 2016.
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VIDARTE, Paco. Ética bixa: proclamações libertárias para uma militância LGBTQ. São Paulo: N-1, 2020.
YORK, Sara Wagner; OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes; BENEVIDES, Bruna. Manifestações textuais (insubmissas) travesti. Estudos Feministas, v. 28, n. 3, p. 1-12, 2020.
[1] Em sentido semelhante ao que Iago Moura Melo (2021) esboça como olhar decoloni-anal, embora conceitualmente distinto, ver Kaciano Gadelha (2017) e Yuri Marrocos, Lygia Titara, Gesailton Lima e Aluisio Lima (2019).
[2] Por funcionamentos deimopolíticos (AFONSO-ROCHA, 2021), entendemos os (re)arranjos simbólico-imaginários que visem à mobilização dos afetos coletivos em defesa da sociedade, justificando tanto o fundamento místico das autoridades quanto o apelo às configurações autoritárias.
[3] Sobre o conceito bichasapatrans, vide Paco Vidarte (2020).
[4] Para a problematização do termo defiça em relação ao capacitismo, consultar Anahí Mello (2019).
[5] Inicialmente, a expressão transvestigêneres foi apresentada por Érika Hilton e Indianarae Siqueira. No entanto, Siqueira surgiu como primeire pesquisadore a fundamentar o termo como conceito em seus trabalhos. Transvestigêneres funciona como uma tentativa de abarcar pessoas trans (homens, mulheres e não-bináries) e travestis a fim de evitar os sectarismos, continuamente produzidos pela cis-normatividade, e estreitar as pontes entre estas identidades dissidentes em termos de gênero. Para maior entendimento de transvestigêneres, ver Siqueira (2017).